Turista não cata conchinhas!

 

Catar conchinhas…eis uma deliciosa brincadeira para quem deseja ser escritor. A alma é um grande mar que vai depositando conchinhas no pensamento. É preciso guardá-las. Quem deseja ser escritor há de aprender com as crianças a catar conchinhas, pensamentos avulsos como esses com que estou brincando, e guardá-las num caderninho (…) O problema com os aprendizes é que eles pensam que literatura se faz com coisas importantes. O que torna a conchinha importante não é o seu tamanho, mas o fato de que alguém a cata da areia e a mostra para quem não viu: “Veja…”. Literatura é mostrar conchinhas…

(Rubem Alves)

Por falar em conchinhas…

Fiquei encantada com a metáfora do peregrino e do turista apresentada pelo pensador contemporâneo Zygmunt Bauman:

O peregrino é quem escolhe viajar em busca de algo para melhorar ou dar sentido à sua vida. Em sua árdua e longa jornada, que não tem prazo para terminar, ele não tem pressa, pois o trajeto importa mais do que sua chegada, que ele não sabe quando nem onde ocorrerá.  Cada passo é contemplado e os obstáculos são utilizados como motivação para sua superação.   

Já o turista viaja por diversão. Tem data marcada para voltar. O destino é fruto da curiosidade ou influência do mercado de consumo do lazer. O trajeto é apenas um modo de chegar a seu destino. Qualquer contratempo é vivido de forma dramática. A análise da paisagem é rápida e superficial, pois precisa acumular o maior número de pontos turísticos em seu curriculum.

Essa metáfora é bem interessante para compreender um pouco as relações humanas na atualidade.

Vivemos na era das informações fragmentadas, das relações superficiais e descartáveis.

Não temos paciência para nos aprofundar no conhecimento de nós mesmos e muito menos das pessoas que atravessam nossos caminhos.

Estamos preocupados em colecionar quantidade, não qualidade.

Qualquer dificuldade no contato humano nos leva a abandonar o trajeto inicial e partir para outra viagem, como turista, em busca da “terra prometida” da ilusão.

Alimentamos nossas almas com prazeres imediatos e indigestos, porém estamos cada dia mais famintos do verdadeiro amor.

Ah…quero aprender a lição do peregrino! Desacelerar, caminhar com os pés descalços, apreciar o sol, sentir o vento e degustar cada minuto da minha vida como se fosse o último.

Prestar atenção na paisagem, conhecer melhor os companheiros de viagem.

Quero ter tempo para aprimorar os gestos de ternura, afeto, delicadeza e guardar com carinho cada “conchinha” que encontrar pelo caminho.

“Se tivesse mais alma pra dar eu daria…Isso pra mim é viver” (Djavan).

Francine Maria Carreira Marciano

Sobre blog Mosaico Prosaico

Advogada especialista em Direito do Consumidor, observadora, curiosa e aprendiz!
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4 respostas para Turista não cata conchinhas!

  1. Edson disse:

    Fran… adorei o post… Mais importante que o destino é a viagem. Eu A D O R O sair com o destino traçado, mas sem ter a mínima idéia do que vou passar para chegar até ele. Turismo em uma cidade grande??? Alugo uma bike! Ecoturismo??? Travessia em montanha! Turismo cobrindo uma área extensa (com SEGURANÇA)??? Mochilão!! ou Magrela como parceira!! Sem Segurança??? Alugo um carro (se possível sem GPS) um mapa E SÓ… rsrs. PS nada contra turistas rsrs… estou escrevendo isso, mas acho que no feriado vou para um hotel fazenda… de carro… td “planejado”… rsrs (mas vou levar a magrela… rs)…. abraços…

  2. Ah, meu amigo…
    Quem experimentou fazer o caminho de Santiago (de bike) como você, está muito longe de ser mero TURISTA na arte de viver!
    Parabéns pela coragem e pela escolha!!!

  3. Ka G. Passos disse:

    Lendo esse texto, me fez lembrar que outro dia, por diversas razoes, nos decidimos dirigir de Sao Francisco ate Nova Iorque (quase 5000 km)…
    Alugamos um carro e saimos sem data marcada, sem hoteis reservados…. no comeco estava uma delicia e nos deixamos curtir cada momento, cada paisagem, as diferencas culturais conforme mudavamos de estado…. mas chegou uma hora, que o habito/necessidade de rotina falou mais alto e nao viamos a hora de chegar em casa….
    Claro que um pouco era o cansaco da viagem, mas infelizmente essa necessidade que temos de controle, de planejamento, de tecnologia, acaba dificultando o nosso aprendizado e desenvolvimento… mas o importante eh tentar sempre! Beijos

    • Oi Karina!!! Que delícia receber um comentário seu no meu blog!!! Realmente, como diz uma amiga nossa (Celinha) viver “fora da caixa” não é pra qualquer um. Mas de qualquer forma, pequenas experimentações fazem parte do aprendizado…E só o fato de vc sair do Brasil e morar em outro país…experimentar o novo…já a qualifica como uma peregrina!!!! Saudades, viu??? Bjssssssss!

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